
A fronteira filosófica entre o humano e o animal ou o “natural” torna-se ponto de dissertação sobre diferentes definições de Humanidade defendidas por pensadores relevantes. É referida a semelhança filosófica formal entre a libertação animal e o anti-racismo, nascida ideologicamente da negação do “animal máquina” exposto por Descartes, defendendo-o como ser sensível e com direitos, na esteira de Maupertuis, Réaumur e Condillac, consagrando-se numa declaração dos direitos do animal de André Géraud em 1924 e ganhando expressão mais precoce na cultura anglo-saxónica, nomeadamente com a lei Grammont de 1822, punitiva dos maus tratos públicos a animais, e a fundação da sociedade protectora dos animais (RSPCA) por William Wilberforce e Thomas Fowell Buxton em 1824. É o anti-especismo defendido por Singer, entre outros, numa lógica de continuidade entre o homem e o animal e de valorização da capacidade de sentir dor e prazer para uma distinção mais adequada entre os seres.
Quanto ao ecologismo na sua globalidade, Luc Ferry faz uma análise aberta do seu surgimento e decanta nele as diferentes formas políticas que pode tomar, desde o contraste entre a ecologia das Luzes e a ecologia romântica ao estabelecimento de três graus de ecologia: a superficial, a reformista ou ambientalista e a profunda, em consonância com o nível de radicalismo da postura crítica face às características e ao funcionamento das sociedades humanas. Por outro lado, Luc nomeia a ecologia de direita, de sentido nacional, e uma outra, com cariz local. É muito crítico com certos teóricos da ecologia profunda, a do crescimento zero, que advogam uma clara cisão em relação à tradição humanista, tildando-os de fundamentalistas e alertando para o seu preocupante desprezo pelos valores democráticos e humanistas, coincidente em certos pontos, na sua visão, com os cânones do totalitarismo. Já noutro contexto, salienta a implementação de políticas de protecção da natureza levadas a cabo pelo Nazismo, em que o eco-romantismo das quiméricas riquezas naturais alemãs é fio de prumo, assim como – pasme-se – a sua surpreendente preocupação em impedir a tortura e o sofrimento dos animais.
O autor remata o ensaio com considerações acerca de um ecologismo democrático, não maniqueísta, que considera necessário para uma resolução dos alarmantes problemas ecológicos do mundo em que vivemos, despolarizador, diferente tanto da ecologia profunda como do antropocentrismo cartesiano ou utilitarista, emancipado “da tutela das autoridades religiosas” e liberto “das linhas partidárias dogmáticas”, de sentido reformista democrático e conducente a uma percepção jurídica em que a Natureza não é sujeito legal per si, mas antes uma riqueza a ser protegida pelas leis do Homem.
Conservador ilustrado, republicano e laicista, Luc Ferry expõe nesta obra uma opinião bastante céptica em relação a todas as expressões de ecologismo que não se assumam como democráticas. Questionável certamente em muitos aspectos, o ensaio é no entanto extremamente rico na análise filosófica e política que faz, podendo ser uma excelente ferramenta didáctica para quem queira inteirar-se da teorização ecologista, nas suas diferentes perspectivas e conteúdos.
Luís Carlos Torrão
isto não está a funcionar?
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